12.01.2011

1972 - o último FIC

O Festival Internacional da Canção de 1972 é considerado, até hoje, o mais "barra-pesada" de toda a história do evento. Muito pior que o de 1970, onde naquele ano, a ousadia de Erlon Chaves ao cantar "Eu também quero mocotó" foi, de certo modo, um fato isolado.

Mas voltemos ao tema desta postagem, que é falar do último dos sete FIC realizados no Brasil.

Já com direção de Solano Ribeiro, uma vez que Augusto Marzagão desvinculou-se do evento, o FIC de 1972 teve 1.912 músicas nacionais inscritas, das quais trinta foram selecionadas para concorrer a duas vagas - e não somente uma - para a final internacional, com um total de 12 canções que seriam escolhidas previamente em duas eliminatórias.

Não se pode dizer que a safra de compositores tenha sido ruim. Muito pelo contrário: neste FIC apareceram os cearenses Belchior, Fágner e Ednardo, o baiano Raul Seixas, o capixaba Sérgio Sampaio, o pernambucano Alceu Valença, o paraibano Geraldo Azevedo, o paulista Walter Franco e, para tristeza deste que vos escreve, um jovem compositor de Brasília, de apenas 16 anos, chamado Oswaldo Montenegro.

A edição de 1972 era, sem dúvida, uma busca do novo. Mas em meio às 30 finalistas, nomes consagrados despontavam: Hermeto Paschoal, Jorge Ben, Baden Powell, Paulo César Pinheiro e Os Mutantes.

As eliminatórias correram, aparentemente, sem grandes problemas, à exceção de "Eu quero é botar meu bloco na rua", que teve problemas na apresentação e ficaria de fora, não fosse Nara Leão, então presidente do júri do FIC, interceder e, tendo em vista um empate que promoveu "Liberdade Liberdade", de Oscar Torales, ao grupo de finalistas, os colegas de Nara também guindaram a belíssima marcha-rancho de Sérgio Sampaio à final.

Mas aí a bomba explodiu. Nara Leão dera uma entrevista desancando os militares e em época de censura, isto foi fatal. Não só a cantora foi destituída do seu posto. O júri inteiro foi sumariamente deposto. Na época, argumentou-se que aquela fora uma manobra para evitar que a concretista "Cabeça", de Walter Franco, ganhasse o FIC em detrimento de outra canção qualquer. E que nisto haveria um suposto interesse da Globo - nunca comprovado - em fazer de Maria Alcina a grande estrela daquele festival, cantando "Fio Maravilha", de Jorge Ben.

O certo é que Maria Alcina, com direito a socos no ar e pulos, cativou a plateia que levou, claro, bandeiras rubro-negras para saudar João Batista de Sales, o Fio Maravilha da canção que "só não entrou com bola e tudo porque teve humildade", como diz a letra de Jorge Ben, num amistoso entre o Flamengo e o Benfica de Portugal.

Com o público nas mãos, ela não teve dificuldade nenhuma de fazer de "Fio Maravilha" a vencedora do FIC de 1972, enquanto o 2º lugar ficou com Cláudia Regina e Tobias defendendo "Diálogo", samba de Baden Powell e Paulo César Pinheiro. O que significa, logicamente, que 'dançaram' gente do nível dos Mutantes, com a avacalhação de "Mande um abraço pra velha" e as revelações Raul Seixas - que classificou e interpretou suas duas músicas, "Let me sing" e "Eu sou eu, Nicuri é o diabo" e Sérgio Sampaio. Além, claro, da controvertida "Cabeça", de Walter Franco.

Isto posto, veio a final internacional, com mais polêmica. Por baixo dos panos, uma suposta armação do resultado era arquitetada para favorecer "Fio Maravilha". Mas havia rumores, também, de que a vitória da canção "Nobody Calls Me a Prophet", defendida por David Clayton Thomas, crooner do Blood Sweat & Tears já seria favas contadas. E isto enfureceu o grego Demis Roussos, que defenderia "Velvet Mornings".

O corpulento Roussos chegou a abandonar o Maracanãzinho e foi dissuadido da intenção de não cantar a música grega. Já bastante conhecido do público brasileiro por causa de sua participação no Aphrodite's Child, Roussos foi muito aplaudido e saiu do palco ovacionado pela galera. Outro grupo que também tinha chances de abiscoitar o primeiro lugar era o italiano Formula Tre, com sua "Aeternum".

Porém, o absurdo veio na decisão final: "Nobody Calls Me a Prophet" estava empatada com a música "Mi Tierra", defendida pelo espanhol Nino Bravo. Com um júri totalmente de gringos e o voto de minerva cabendo a um estadunidense, causou espanto que esse jurado tenha decidido por apontar... "Nobody Calls Me a Prophet" como a campeã do FIC de 1972.

Um final, sem dúvida, merencóreo. E houve ainda a intenção da Globo em produzir a oitava edição do FIC em 1973 - porém o evento foi definitivamente cancelado. Não havia mais interesse de patrocinadores e também dos compositores. Afinal de contas, compor para que, se a censura lia as letras, 'enxergava' coisas absurdas onde não havia nada absurdo e tesouravam tudo?

7.05.2006

Festival Mutante


Mais de uma vez eu disse no meu outro blog, o Saco de Gatos, que os Mutantes foram participantes ativos em Festivais da Canção. E não é mentira, não.

O primeiro grupo a trabalhar com elementos de rock and roll e fazer uma ponte super bem-sucedida entre as guitarras elétricas e a MPB apareceu como uma banda de rockabilly em seu início, com o nome de O'Seis (também conhecida como Six Sided Rockers). Gravaram um compacto com as músicas "Suicida" e "Apocalipse", que resultou em fracasso.

Nessa época, Rita Lee já fora incorporada ao grupo como vocalista de apoio, além de Mogguy. A banda tinha Arnaldo Baptista, Sérgio Dias, Pastura e Raphael Vilardi. E um racha em meados de 1966 provoca a saída de Pastura, Raphael e Mogguy. O grupo acaba rebatizado de Mutantes, por sugestão de Ronnie Von - em cujo programa da TV Record foram participar.

No ano de 1967, Gilberto Gil compõe e inscreve "Domingo No Parque" para o Festival da Record. E para a audaciosa proposta de letra e música, não tinha quem o ajudasse. Guilherme Araújo, o conhecido empresário dos 'Doces Bárbaros', foi quem sugeriu os meninos do programa de Ronnie Von.

"Eles têm essa coisa que você está procurando", afirmou.

Gil buscava um 'som universal', mesclando música brasileira com guitarras elétricas e influências dos Beatles para sua narrativa do triângulo amoroso entre Juliana, José e João.

Deu certo. Com arranjo do brilhante Rogério Duprat e a ótima participação dos Mutantes (Rita, linda, balançando os cabelos loiros e tocando pratos percussivos), "Domingo No Parque" termina em terceiro lugar no Festival, alavancando não só a carreira de Gil como também daqueles garotos que mostraram muito talento.

A aproximação com os Tropicalistas foi imediata e os Mutantes foram recebidos pela turma baiana de braços abertos, assim como Nara Leão. O primeiro disco deles é uma fusão de Beatles, rock and roll e Luiz Gonzaga, com linguagem jorge-beniana e tropicalista até a veia.

Caetano Veloso vira fã de carteirinha e não só chama o grupo para gravar algumas músicas com ele, mas também para que participassem como apoio instrumental no Festival Internacional da Canção, em 1968.

Espertos, Arnaldo, Sérgio e Rita, aos quais já tinha se juntado o baterista Dinho Leme (o irmão do comentarista de Fórmula 1 Reginaldo Leme), também inscrevem uma de suas músicas - "Caminhante Noturno". Como não tinham nada a perder, não podiam prever o que aconteceria quando "É Proibido Proibir" fosse executada durante a eliminatória paulista que classificaria seis canções para a final no Rio de Janeiro.

O confronto estava armado e Geraldo Vandré era o representante da ala 'nacionalista' contra a vanguarda dos baianos. Gilberto Gil apresentou "Questão de Ordem" e foi estrepitosamente vaiado pela platéia que não entendeu a proposta do 'canto falado à Jimi Hendrix', com guitarras gritando e um americano batendo numa calota de carro.

Quando Vandré entrou e cantou "Caminhando", foi um espanto. Nunca até então na era dos Festivais uma música feita inteira em dois acordes provocara tamanha comoção. O forte era a letra.

Vem vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

"É Proibido Proibir" estava longe de ser uma canção pueril. Muito pelo contrário, pois seu título se apropriava claramente do slogan do Movimento Estudantil liderado por Daniel Cohn-Bendit, que abalava as estruturas da França de 1968. E além do mais, havia bastante metáforas na letra escrita por Caetano que poderiam soar como um protesto mais virulento que a "Caminhando" de Vandré.

Me dê um beijo, meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
Louças, livros sim
E eu digo sim
E eu digo não ao não
E eu digo é
Proibido proibir
É proibido proibir

Mas a performance foi mais chocante que o esperado. Primeiro que Caetano e os Mutantes entraram, todos, com roupas futuristas de plástico. Segundo, pela longa introdução do maestro Rogério Duprat, numa zoeira de sons. E especialmente pela participação do hippie americano Johnny Dandurand, que entrou no meio da música para berrar palavras initeligíveis. A platéia, furiosa, chamou-o de bicha pra baixo, choveram ovos e tomates podres no palco e Caetano iniciou um discurso furibundo sem precedentes.

Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?
Vocês têm coragem de aplaudir este ano uma música... um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado!
São a mesma juventude que vai sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem
Vocês não estão entendendo nada...
Nada... Nada... Absolutamente nada!
Hoje não tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, não com medo do senhor Chico de Assis, mas com a coragem... quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê-la explodir... foi Gilberto Gil... e fui eu! Não foi ninguém! Foi Gilberto Gil e fui eu!
Vocês estão por fora! Vocês não vão vencer!
Que juventude é essa... que juventude é essa...
Vocês jamais não serão ninguém
Vocês são iguais sabe a quem? Vocês são iguais sabe a quem?
(tem som no microfone?)
Vocês são iguais sabe a quem?
Àqueles que foram na "Roda-Viva" e espancaram os atores
Vocês não diferem em nada deles... vocês não diferem em nada
E por falar nisso... viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker!
O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira achando que ela é americana
Mas eu e Gil abrimos o caminho e o que é que vocês querem?
Eu vim aqui para acabar com isso. Eu quero dizer ao júri: me desclassifique! Eu não tenho nada a ver com isso... nada a ver com isso.
Gilberto Gil... Gilberto Gil está aqui comigo para nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Para acabarmos com tudo isso de uma vez.
Nós só entramos em festival para isso. Não fingimos aqui e desconhecemos o que seja o festival não.
Ninguém nunca me ouviu falar assim... entendeu? Só queria dizer isso baby... sabe como é?
Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês... se vocês em política forem como são em estética estamos feitos.
Me desclassifiquem junto com Gil, junto com ele. Tá entendendo?
E quanto a vocês...
O júri é muito simpático, mas é incompetente. Deus está solto!


A decisão de Caetano em não levar "É Proibido Proibir" nas finais no Rio automaticamente alçou os Mutantes para a vaga que seria do baiano. E ao defenderem "Caminhante Noturno" no Maracanãzinho, deram o seu jeitinho de lembrar da canção desclassificada. Rita Lee instalou um gravador sobre uma banqueta, e dele saía a gravação ao vivo e os protestos da eliminatória paulista.

Em 69, o grupo voltou a participar do FIC, agora sozinho, já que Caetano resolvera nunca mais participar de um Festival - muito embora ele e os Mutantes fizessem uma temporada badaladíssima na boate Sucata, de Ricardo Amaral.

Com "Ando Meio Desligado", que seria carro-chefe do disco A Divina Comédia, lançado no ano seguinte, os Mutantes fizeram um happening ao estilo do Chacrinha durante sua apresentação na final, usando muita percussão e cantando o "Olê Olá" então entoado pelas torcidas dos estádios de futebol.

Eles ficaram de fora das duas edições seguintes do FIC, dedicando-se mais ao programa Som Livre Exportação, da Rede Globo. No começo, eles participaram ativamente da proposta de mixar o rock com outras vertentes da MPB - samba, inclusive - e a turma do Movimento Artístico Universitário, liderada por Ivan Lins. Mas depois se desligaram do projeto.

Em 72, com Dinho e Liminha efetivados no grupo, os Mutantes já flertavam com o rock progressivo, influenciados pelo supra-sumo da época - Yes e Emerson, Lake & Palmer - além de totalmente chapados em razão do alto consumo de drogas. Ainda assim, se inscreveram naquele que seria o último Festival Internacional da Canção.

"Mande Um Abraço Pra Velha" tinha uma letra pra lá de irônica, com muitos teclados e guitarras. Mas com um breque no meio que foi sugestão de Rita Lee e desagradou profundamente a Arnaldo, Sérgio e Liminha.

Já faz tempo pacas
Que eu não vinha aqui
Cantar no Festival

Eu não vou ganhar
Quem sabe até eu vou perder
Ou empatar

Nós não estamos nem aí
Nós queremos é piar
Nós estamos é aqui
E sua mãe onde é que está?

Mande um abraço pra velha
Diga pra ela se tratar

Você pensa que cachaça é água
Mas cachaça é água não
É não

Você pensa que eu estou brincando
Mas brincando eu não estou não
Estou não

Imagine um Festival
Sem caretas e no sol
Imagine um Festival
Com a sua mãe e o Juvenal

A música foi para a final mas não ganhou nada. Como conseqüência da infeliz idéia de Rita Lee, o grupo entrou em crise e ela saiu do grupo em 1973 para seguir carreira-solo.

A partir daí a trajetória dos Mutantes foi errática e só foi retomada este ano, com a reunião de Sérgio, Arnaldo, Dinho e Zélia Duncan para apresentações internacionais.

7.01.2006

Memória Musical II

Eu confesso uma coisa.

Não sou muito fã do Caetano Veloso não.

Mas tem uma música dele que me conquistou.

Não sei se pelos versos, ou simplesmente pela deliciosa interpretação que o Jorge Ben deu lá pelos idos dos anos 70, quando fundiu num espetáculo essa canção com a sua clássica "Mas Que Nada".

O fato é que gosto muito e vou deixar a letra aqui, agora.

Porque daqui a pouco é de manhã.

É DE MANHÃ
(Caetano Veloso)

É de manhã
É de madrugada, é de manhã
Não sei mais de nada, é de manhã
Vou ver o meu amor

Ai, é de manhã
Flor da madrugada, é de manhã
E eu já não sei mais de nada, é de manhã
Vou ver o meu amor

Vou sozinho pela estrada
E em cada estrela eu vejo ela e uma flor
Mas a flor amada é mais que a linda madrugada
E foi por ela que o galo fez cocorocô...

6.30.2006

Memória Musical I

Vou inaugurar meu novo blog com uma letra de uma música que eu adoro.

Quando eles surgiram - um vindo de Minas Gerais e outro do Movimento Artístico Universitário (MAU), aqui no Rio de Janeiro - foram imediatamente apadrinhados e gravados pela excepcional Elis Regina.

Estou falando de João Bosco e Aldyr Blanc, a única parceria Flamengo-Vasco que rendeu frutos na MPB.

Esta música a Elis cantou no festival Phono 73. Chegou a ser vaiada quando adentrou o palco do Anhembi, mas foi ovacionada no fim de uma apresentação simplesmente arrebatadora.

CABARÉ
(João Bosco / Aldyr Blanc)

Na porta lentas luzes de neon
Na mesa flores murchas de crepon
A luz grená filtrada entre conversas
Inventa um novo amor, loucas promessas

De tomara-que-caia surge a crooner do norte
Nem aplausos, nem vaias: um silêncio de morte

Ah, quem sabe de si nesses bares escuros
Quem sabe dos outros, das grades, dos muros

No drama sufocado em cada rosto
A lama de não ser o que se quis
A chama quase morta de um sol posto
A dama de um passado mais feliz

Ah, quem sabe de si nesses bares escuros
Quem sabe dos outros, das grades, dos muros

Um cuba-libre treme na mão fria
Ao triste strip-tease da agonia
De cada um que deixa o cabaré
Lá fora a luz do dia fere os olhos